segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Não Posso Amar O Destino

O salgado escrevia entre a solidão de janeiro, entre os barcos que chegavam da ausência, atravessava assim o silêncio salgado das sílabas que já durava há vários meses, procurava nas palavras as pegadas das aves, recordava  um nome de laranjeira junto ao mar, eram os seus olhos os ventos navegáveis das palavras eram os seus lábios as muralhas das manhãs. O primeiro poema cresceu, ganhou forma, foi relido e rescrito, ficou a levedar no computador e na manhã seguinte Salgado deu por concluído o primeiro poema de um sonho:

Abre a janela devagar como se abre a manhã
faz do canto dos pássaros o respirar verde da serra
e do voo alegre das andorinhas o brilho azul do rio
abre a janela devagar como se abre a manhã
faz da palavra um lugar de encontro
e da poesia o tua casa interior
abre a janela devagar como se abre a manhã

e respira profundamente como quem ama .

sábado, 1 de novembro de 2014

NÃO POSSO AMAR O DESTINO


        O céu estava em tons rosa e um enorme bando de gaivotas apareceu vindo do nada enchendo o céu de asas em todas as direcções. Os tons rosa começaram a desvanecer-se e uma pequena estrela apareceu, no ainda ténue azul, rodeada pelo rosado dos cirros. Um barco fazia a travessia sobre o azul nocturno do rio. Das paredes das casas saia um calor nu e abafado. A tarde tinha parado nesse crepúsculo e o nome do livro continuava assim enxuto, seco, predestinado. “não posso amar o destino”.

Salgado sabia que nada acontece por acaso, o sonho, a frase no computador tudo tinha um sentido e um caminho. Para iniciar esse caminho era necessário equilíbrio, o caminho faz-se caminhando, era a sua vontade e o seu receio, sabia que essas palavras não têm amanhã, saltam os muros da alma, pernoitam na sombra dos alpendres, plantam sementes de poemas entre as estrelas do dizer, transportam um novo ciclo de escrita onde tudo se renova.

        Salgado sentou-se em frente ao computador, a noite é um lugar sem som, o coração é uma raiz arborescente que aceita o tempo e atravessa o rio com o olhar descalço.      Nesta noite começava a vida do Salgado.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

NÃO POSSO AMAR O DESTINO

      São quase onze horas, o Salgado ainda dorme. O tempo parou no sono do rio, no abandono das areias, na imobilidade das rochas.
      Sabemos que o sono é que nos salva, efectivamente se não dormíssemos já tínhamos destruído o planeta, mais horas a poluir o ar com escapes de automóveis e indústrias, mais horas a consumir recursos naturais, mais horas a abater florestas, e tudo o mais que possamos ou queiramos imaginar, basta-nos para tal pensar nas nossas inúmeras profissões.
      Mas como tudo o que tem princípio, tem fim, também o sono do Salgado está a acabar, no quarto sobre a cama de ferro, Salgado sonha o derradeiro sonho, não direi dessa noite porque o sol já vai alto, mas desse descanso de guerreiro a que cada um de nós tem direito no final de cada dia. Esse último sonho, é mais um daqueles sonhos desordenados, sem pés nem cabeça como se usa dizer, que não fazem qualquer sentido.
     
      Salgado está parado em frente ao mar, observa o sal líquido das sílabas, o tempo parou no sono do rio, no abandono das areias, na imobilidade das rochas, no decifrar dos ventos, no voo das gaivotas.       Salgado escuta o rumor das ondas, o grito branco as ânforas, a alma azul do pensamento adormecida no coração das águas. Fica parado no olhar desse rio, nessa saudade salgada que habita toda a alma, apenas ouve o eterno grito das ondas entre os grãos de areia. Olha à sua volta, o seu olhar é uma asa debruçada sobre o rio, um céu lavrado em sulcos de infinito. O seu olhar é um sonho murmurado no vento, o seu olhar é um rosto. Salgado espera um rosto, um rosto indefinido na penumbra do sonho, um rosto adivinhado, espera um rosto na sombra das aves.
      
      No pequeno quarto, que o sol invade por entre as frinchas da persiana, Salgado abre finalmente os olhos, busca a fresca memória do sonho, sabe que são cinco os rostos que procura, cinco como os sulcos na superfície das mãos que lhe lavam agora o rosto, alteia a persiana procura encontrar no destino do sonho, a origem da luz, o princípio da raiz tranquila.
   Quando ligou o computador eram onze e vinte da manhã, Salgado ficou sobressaltado com o coração a bater depressa, no ecrã um titulo, tamanho 22, estava lá inscrito como se de feitiço se tratasse. “não posso amar o destino”

quinta-feira, 26 de junho de 2014




Havemos de entender o ofício da poesia.
É tempo de abrir as portas ao trabalho
das palavras, de tecer os lugares da casa
com poemas de luz.
Dança a lua sobre o rio, num lugar chamado
tempo há sons que dançam no vento.
Dançam na noite as palavras
dos homens altos.
O livro ainda alimenta a nossa esperança.

Não sabemos quando a noite se perdeu,
mas a cidade já corre para o fogo do dia.
A luz espreita o interior das abandonadas
sombras, com a sua escrita solar.
O rio já começou a azular, a deixar
o tom cinza, venham reaver a esperança.

Havemos de entender o ofício das manhãs.