São quase onze horas, o Salgado
ainda dorme. O tempo parou no sono do rio, no abandono das areias, na
imobilidade das rochas.
Sabemos que o sono é que nos salva,
efectivamente se não dormíssemos já tínhamos destruído o planeta, mais horas a
poluir o ar com escapes de automóveis e indústrias, mais horas a consumir
recursos naturais, mais horas a abater florestas, e tudo o mais que possamos ou
queiramos imaginar, basta-nos para tal pensar nas nossas inúmeras profissões.
Mas como tudo o que tem princípio,
tem fim, também o sono do Salgado está a acabar, no quarto sobre a cama de
ferro, Salgado sonha o derradeiro sonho, não direi dessa noite porque o sol já
vai alto, mas desse descanso de guerreiro a que cada um de nós tem direito no
final de cada dia. Esse último sonho, é mais um daqueles sonhos desordenados,
sem pés nem cabeça como se usa dizer, que não fazem qualquer sentido.
Salgado está parado em frente ao mar, observa o sal líquido das sílabas, o tempo parou no sono do rio, no abandono das areias, na imobilidade das rochas, no decifrar dos ventos, no voo das gaivotas. Salgado escuta o rumor das ondas, o grito branco as ânforas, a alma azul do pensamento adormecida no coração das águas. Fica parado no olhar desse rio, nessa saudade salgada que habita toda a alma, apenas ouve o eterno grito das ondas entre os grãos de areia. Olha à sua volta, o seu olhar é uma asa debruçada sobre o rio, um céu lavrado em sulcos de infinito. O seu olhar é um sonho murmurado no vento, o seu olhar é um rosto. Salgado espera um rosto, um rosto indefinido na penumbra do sonho, um rosto adivinhado, espera um rosto na sombra das aves.
No pequeno quarto, que o sol invade por entre as frinchas da persiana, Salgado abre finalmente os olhos, busca a fresca memória do sonho, sabe que são cinco os rostos que procura, cinco como os sulcos na superfície das mãos que lhe lavam agora o rosto, alteia a persiana procura encontrar no destino do sonho, a origem da luz, o princípio da raiz tranquila.
Quando ligou o computador eram onze e vinte da manhã, Salgado
ficou sobressaltado com o coração a bater depressa, no ecrã um titulo, tamanho
22, estava lá inscrito como se de feitiço se tratasse. “não
posso amar o destino”